STALKING


Numa semana em que a violência doméstica voltou a estar no foco da discussão, como uma prática generalizada na União Europeia, que já matou mais mulheres em 2012 do que em 2011, e em que das queixas acabam arquivadas na justiça, procurámos dar algum destaque ao tema.

No passado mês de Maio a Cosmopolitan Portugal publicou na sua revista mensal um artigo sobre stalking com o título Matas-me com o teu olhar. Neste artigo a jornalista Rita Tilly explora o comportamento de stalking recorrendo à experiência de uma vítima que já sofreu os seus efeitos, e entrevista o psicólogo clínico Filipe Leão Miranda no sentido de aprofundar este tema.

Rita Tilly: Qual é a diferença entre assédio sexual, violência doméstica, e Stalking?

Filipe Leão Miranda: De certa forma poderemos considerar cada um destes comportamentos como formas de violência interpessoal, que contempla tanto a violência física como a violência psicológica. O stalking consiste numa forma de assédio persistente onde poderão estar presentes diversas formas de comunicação, vigilância e monitorização de uma pessoa, que poderão ir desde telefonemas e ofertas, até formas mais graves como perseguições e ameaças. Por outro lado, a violência doméstica está habitualmente associada a qualquer tipo de violência que surja no seio de uma relação íntima que poderá incluir abuso físico, sexual, emocional ou financeiro. O assédio sexual, em contexto de trabalho, consiste na procura inapropriada de uma relação de intimidade quer seja por parte de um superior ou de um colega.

Como podemos ver a distinção não é fácil uma vez que tende a existir uma sobreposição entre estes comportamentos, dependendo do contexto e da relação entre a vítima e o agressor. Atualmente existe uma discussão alargada, no meio científico e legal, com o intuito de se aclarar estes conceitos. Para um acompanhamento desta discussão recomendo a consulta do trabalho que está a ser realizado Grupo de Investigação sobre Stalking em Portugal (GISP).

RT: É possível que durante a relação o indivíduo denuncie comportamentos relacionados com este tipo de assédio persistente, ou pode camuflá-los totalmente e só perante o fim da relação ter esse tipo de comportamento?

FLM: Uma vez que alguns comportamentos de stalking são considerados como aceitáveis no seio de uma relação íntima (elevado número de telefonemas ou sms, envio de presentes, etc.) poderão passar despercebidos ou interpretados como normativos. Desta forma, depende não só dos comportamentos em si, mas também do olhar e daquilo que cada um entende por uma relação a dois. O que acontece em certos casos de stalking é que perante o fim de uma relação, os comportamentos que inicialmente eram considerados aceitáveis escalam para formas mais intrusivas e mais agressivas.

RT: Os perseguidores justificam o Stalking como ciúme. Como pode uma vítima perceber que aquilo que se passa na relação ultrapassa os limites do ciúme e não é considerado “normal”?

FLM: O ciúme é um sentimento que surge numa relação a três, ou seja, numa relação em que existe o receio de perda do amor do parceiro para uma outra pessoa, e em que o próprio pretende ser o único depositário desse amor. Como em tudo, o ciúme poderá surgir em maior ou menor expressão, e os limites da “normalidade” são muitas vezes traçados no seio de cada relação, sendo que cada um deverá avaliar o impacto que estes comportamentos têm na sua vida. Porém é importante manter presente que em muitas situações o stalking não está associado ao ciúme, e que o ciúme não pressupõe obrigatoriamente comportamentos de stalking.

RT: Pode-se dizer que é o sentimento de rejeição que despoleta o Stalking? A não aceitação do fim da relação? Que outros sentimentos estão associados?

FLM: A rejeição ou o fim de uma relação não despoleta o stalking por si só. Quando falamos de stalking podemos incluir uma panóplia de sentimentos em que a rejeição é apenas um deles. Este sentimento, que pode surgir num contexto de rutura relacional entre o stalker e a vítima, está muitas vezes associado a uma extrema dificuldade em tolerar as vivências de perda, vergonha ou humilhação. Assim sendo, a perseguição surge tanto como uma tentativa de reconciliação, como pela expressão de um desejo de vingança ou forma de retaliação para com a vítima.

Noutras situações o stalking surge fora de uma relação íntima, em que as vítimas poderão ser desconhecidos ou figuras públicas, onde predomina um sentimento de solidão e de busca de intimidade, e em que o stalker acredita existir uma paixão e comunicação secreta entre ambos. Estes são apenas dois exemplos.

RT: Qual é o principal objetivo do perseguidor? A maioria dos perseguidores são do sexo masculino. Porquê?

FLM: Os objetivos daquele que persegue variam profundamente em função das suas motivações. O objetivo poderá passar pela vingança perante um forte sentimento de rejeição, pela procura de uma relação íntima com alguém que é admirado, pela incitação de medo na vítima, ou num caso extremo, pela preparação de um ataque sexual.

É certo que a prevalência de comportamento de stalking é superior no sexo masculino, porém questiono-me se estes números não sofrem do mesmo problema associado à violência doméstica, onde existe uma menor denúncia por parte de vítimas do sexo masculino.

RT: O que é que a vítima deve fazer perante os primeiros contactos (se for através de telefonemas, SMS, e-mails), deve ignorar ou responder? E se responder, qual a melhor forma?

FLM: Os primeiros contactos numa situação de stalking não devem ser ignorados nem desvalorizados, sendo que uma resposta firme, revelando que esses mesmos contactos são indesejados, é por vezes a melhor opção. Se os contactos se mantiverem após este período inicial, a vítima poderá cessar todo e qualquer tipo de interação.

RT: A tendência é para que as vítimas se isolem, se escondam em casa, na esperança de que assim a perseguição termine. Isso é positivo? Ajuda a que o perseguidor pare ou tem o efeito oposto?

FLM: O isolamento não é a melhor opção numa situação de stalking. Condicionar a própria vida a esse nível poderá ter efeitos prejudiciais para o próprio, sendo preferível procurar apoio junto familiares e amigos que possam ajudar. De facto o isolamento poderá ser percecionado pelo stalker como uma “vitória”, no sentido em que está a conseguir controlar a sua vítima, sendo que a imprevisibilidade e alteração de rotinas poderão ter um melhor impacto.

RT: As vítimas dizem ficar marcadas para sempre. Quais são as sequelas que o Stalking deixa e de que forma podem ser superadas?

FLM; Qualquer tipo de violência interpessoal deixa as suas marcas, sendo que estas dependem de um conjunto de fatores, como a natureza da experiência violenta, o seu impacto traumático, a história de vida e características da vítima. A experiência de stalking poderá ser vivenciada de uma forma muito violenta, onde a privacidade é totalmente devassada. Vítimas que estão num estado constante de alerta apresentam sentimentos de medo e ansiedade que poderão resultar em grandes alterações nos hábitos do dia-a-dia, numa dificuldade em se envolver nem novas relações, e em interrupções na sua atividade profissional. Algumas vítimas procuram apoio psicológico no sentido de minorar o impacto desta experiência, diminuir os sentimentos de medo e insegurança, e de estabelecer uma relação de confiança.

RT: O medo que as vítimas sentem é físico ou psicológico? É possível ultrapassar esse medo?

FLM: O medo é vivenciado tanto a nível físico como psicológico, podendo ser um facto limitativo na vida da vítima. Como referi anteriormente, a procura de ajuda e apoio especializado poderá ser um passo importante na gestão deste sentimento.

RT: Dar a cara, apresentar queixa (mesmo que esta seja desvalorizada) é um passo recomendado?

FLM: A segurança pessoal deverá ser considerada como uma prioridade, sendo por vezes necessário recorrer às autoridades competentes, que poderá passar pela apresentação de uma queixa formal ou não. Se a situação de stalking se estender no tempo e se os comportamentos escalarem em termos de frequência e gravidade esta opção deve ser considerada. Existem igualmente um conjunto de associações cujo objetivo é dar apoio a estas situações.

RT: A cultura machista promove o Stalking, desvalorizando as queixas apresentadas?

FLM: Historicamente e atendendo às construções sociais sobre a masculinidade, verificamos que simbolicamente a posição do masculino surge como agente de poder e violência. No entanto é importante ter presente que os comportamentos de stalking ocorrem em ambos os géneros, apesar da predominância masculina. Atualmente, a sociedade está inundada de informação contra a discriminação e desigualdade de género, e as noções de masculino e feminino reinventam-se, sendo que a desvalorização das queixas poderá ser por vezes confundida com um vazio ao nível do enquadramento legal para lidar com estes casos.

RT: Os perseguidores acabam por desistir e eventualmente abandonam as suas vítimas?

FLM: O stalking é por vezes a continuação de outras formas de violência, sendo que os casos de stalking tendem a ser mais longos quando existe, ou existiu, uma relação íntima entre o stalker e a vítima. São diversas as razões que levam ao término da perseguição: evitamento por parte da vítima; a vítima mudou de residência; o perseguidor encontrou uma nova pessoa alvo; a vítima iniciou uma nova relação; ou através da intervenção das autoridades / sistema judicial.

Espelho Meu, Espelho Meu
Espelho Meu, Espelho Meu
A Editora de Beleza da Máxima Carolina Silva escreveu um artigo sobre o impacto das intervenções estéticas e entrevistou o…
Entender a PSTP, a POC e as PP
Entender a PSTP, a POC e as PP
O psiquiatra Ciro Oliveira escreveu um conjunto de artigos para o Jornal de Mafra onde explorou a natureza, a etiologia…
Narcisismo nos Tempos Modernos
Narcisismo nos Tempos Modernos
A jornalista Ana Pago do Notícias Magazine realizou uma reportagem sobre o narcisismo nos tempos modernos e entrevistou o psicólogo…