ENTREVISTA AO PSIQUIATRA LUÍS LEÃO MIRANDA


No final do dia, o psiquiatra Luís Leão Miranda recebeu-nos no seu consultório, situado num edifício secular da Avenida da Liberdade. Foi naquele espaço, preenchido pelas memórias de pacientes acolhidos desde há três décadas, que conversámos um pouco.
(Esta entrevista realizada e publicada no BloPsi em novembro de 2012)

Elisabete Moutinho: Nos tempos em que vivemos torna-se incontornável uma questão: Como vê o acesso à saúde mental neste momento de crise?

Luís Leão Miranda: Em termos da saúde mental a situação está-se a agravar uma vez que as doenças estão a aumentar e a tornar-se mais graves, a capacidade económica está a diminuir, portanto o acesso aos cuidados de saúde de qualidade vai também diminuir. As pessoas não têm capacidade para aceder a outros serviços e infelizmente o serviço público não tem capacidade de resposta neste momento.

EM: A psiquiatria atual, centrada no tratamento farmacológico, o que pode oferecer?

LLM: Neste momento, a base do tratamento das doenças mentais passa por farmacologia, sem dúvida nenhuma. Depois, é naturalmente coadjuvada com outras formas de terapêutica, nomeadamente as Psicoterapias (todo o tipo de psicoterapias), e outro tipo de abordagens, como a eletroconvulsoterapia. Há uma panóplia de ferramentas ao nosso dispor. Como referi, é com a conjugação destas várias terapêuticas que conseguimos dar qualidade de vida aos doentes e procurar melhorar a sua saúde. Na minha perspectiva a centração apenas no tratamento farmacológico não é suficiente, sendo que se os doentes não tiverem capacidade de insight… poderão não ter recursos para todos os tipos de terapêuticas disponíveis, mas na maioria dos casos com certeza que sim.

EM: Um elevado conjunto de psiquiatras defendem que as doenças mentais são crónicas e incuráveis. Na sua perspetiva deveremos falar em doenças crónicas ou em tratamentos cronicizados?

LLM: Depende, não sei se falamos em doenças crónicas, intratáveis, ou outra coisa qualquer. Aquilo que eu sinto é que há pessoas que têm efectivamente doenças que se prolongam no tempo e que precisam de tratamentos igualmente longos e quiça sem termo previsto, mas que se conseguem controlar com uma terapia a longo prazo, evitando-se as recaídas. Não estou a falar de doenças psicóticas, que essas não têm efetivamente cura, mas de outro tipo de doenças em que as pessoas precisarão de um tratamento muito prolongado para manterem a sua qualidade de vida. Há doenças crónicas que provocam alterações graves na personalidade da pessoa, e há outras doenças com curso crónico, perfeitamente controláveis, mas com menor efeitos colaterais e menos incapacitantes.

EM: Foi referido que o grupo de trabalho do DSM-V, ao tentar aumentar a sensibilidade diagnóstica, tem sido insensível ao risco de falsos positivos, de medicalizar a normalidade e de trivializar o conceito de diagnóstico psiquiátrico. Qual poderá ser o impacto e as vantagens de uma nova classificação no tratamento das doenças mentais, em que a “Amargura” poderá passar a ser a mais recente patologia mental?

LLM: Pois… pelos vistos estão a querer ir buscar pequenos nichos e querem-lhes dar um cariz patológico, que provavelmente não terá, não é!? Onde é que isto nos leva? Por exemplo, é como a questão do luto. Há teorias que afirmam que o luto não se deve tratar porque é uma reação natural e normal, mas há circunstâncias em que de facto é patológico, depende da personalidade prévia das pessoas, depende de muita coisa. Agora a amargura como uma doença…!? Enfim… é questionável! Vamos tratar a Amargura como? Com seretonina? (risos)

EM: Atendendo a uma diminuição do investimento em novos fármacos, e com um crescente receio de dependência dos mesmos, como imagina o futuro da psiquiatria?

LLM: A psiquiatria como especialidade é essencial no tratamento das doenças ditas psiquiátricas. Há quem queira reduzir, pura e simplesmente, as doenças psiquiátricas a doenças somáticas, neurológicas. E isso não é possível… porque há muitos aspetos que não têm que ver só com a doença física, ou com alterações nos neurotransmissores ou a nível do cérebro, mas com toda uma personalidade, uma vivência, todo um crescer da pessoa que não se pode reduzir a um diagnóstico neurológico. A Psiquiatria e a Psicologia têm um papel extremamente importante no tratamento destas doenças, porque é individualizado, porque é humanizado, porque é tudo isto que faz com que o tratamento possa dar algo à pessoa, que é isso que importa. Não é dar algo a uma classificação, é dar algo à pessoa… não nos podemos restringir às classificações.

EM: Será que deveria existir um maior investimento noutras formas de tratamento? E como se poderão articular com a psiquiatria?

LLM: Penso que para a pessoa que sofre, todo o investimento que se possa fazer em terapias sérias, cientificamente comprovadas, é importante.

EM: Da sua prática clínica, o que é que as pessoas pedem quando o procuram? Acha que esses pedidos foram mudando ao longo dos anos?

LLM: Sim, têm vindo a alterar-se. Aquilo que as pessoas neste momento pretendem é poderem estar ativas, poderem ter a sensação de bem-estar, mas estarem principalmente ativas, que era uma coisa que não se dava tanto enfoque. As pessoas querem estar vigis, ativas socialmente, profissionalmente. Tem-se verificado também, para além do incremento das doenças depressivas, como é natural em tempos de crise, um aumento das Perturbações da Ansiedade, do pânico e em geral das fobias (mais a nível social). Portanto, dentro do foro da ansiedade têm surgido muito mais patologias.

EM: Na sua opinião, quais os sinais que deveremos estar atentos e que indicam que é altura de pedir ajuda profissional?

LLM: A fronteira entre o normal e o patológico é de facto muitas vezes difícil de definir, mas a partir do momento em que uma manifestação, qualquer que seja, interfira no dia-a-dia da pessoa, nas atividades de vida diária da pessoa, aí sem dúvida nenhuma que se tem que intervir.

EM: Tem-se associado o aumento de problemas psíquicos e de adaptação a este momento de crise generalizado. Qual a sua perspetiva sobre o que se está a passar e será que estamos, enquanto sociedade/indivíduos, condenados?

LLM: Acho que condenados não. Mas é interessante verificar que esta crise que estamos a viver é uma crise diferente em muitos aspetos das crises que tivemos na humanidade até agora. Geralmente as crises tinham muito a ver com a guerra, agora estamos uma crise que não tem nada a ver com guerra… e nas alturas de guerra havia uma entreajuda e solidariedade muito grande. Nesta crise estamos a ser agredidos, a ser violentados, e é mais díficil lidar com esta situação do que com qualquer situação de catástrofe – não sabemos como reagir. Não há apoios e as pessoas ficam entregues a si próprias.

EM: Enquanto psiquiatra e técnico de saúde mental tem algumas estratégias particulares para lidar com dificuldades dos dias que correm?

LLM: A minha estratégia, e não é só de agora, é: há uma coisa que não existe no meu vocabulário de terapeuta, que é desistir. É investir na pessoa, nunca desistir. Com certeza que há limites, há fronteiras que não se podem ultrapassar, é natural. Mas uma coisa que não se pode transmitir às pessoas é que elas não tenham uma esperança de melhorar, porque há sempre.

EM: E isso pode-se aplicar a nós próprios? Nunca desistir?

LLM: Sim, nunca desistir.

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